Hong Kong, 07/06/02.

 

Caríssimos paroquianos da comunidade de Nossa Senhora da Luz,

Comecei esta carta logo depois do dia 19/05 e somente hoje, véspera do jogo entre o Brasil e a China,  estou conseguindo terminar a mesma. Antes de falar da Copa, partilho com vocês as minhas notícias mais recentes:

No domingo 19/05/02, Solenidade de Pentecostes,  eu e Ir. Regina Costa Pedro completamos 20 anos de Vida Religiosa, 14 anos de Profissão Perpétua e 14 anos de mandato missionário! A Ir. Regina está nos Camarões e eu estou aqui, já vão fazer 13 anos…O tempo passa, não é mesmo? Olhando para trás, sinto que tenho tanto para agradecer a Deus e ao mesmo tempo sinto o desejo de pedir perdão pois Ele me concedeu tantas graças, às quais nem sempre fui ou sou capaz de apreciar.

Senti que sendo esta uma data muito especial, deveria comemorá-la com toda a solenidade possível. Por isso, preparei-me antes com um dia de retiro no dia 16 de maio, recebi o sacramento da reconciliação um dia antes e, no dia 19, de manhã, fui participar da missa na paróquia de Tai Po. A comunidade de Tai Po tem um significado todo especial na minha caminhada missionária aqui em HK: foi a primeira paróquia em que eu vivi desde que cheguei aqui. Foi lá que comecei a “engatinhar”, “aprendi a falar” (chinês) e, os meus amigos mais antigos estão todos lá. Cada vez que retorno nesta comunidade para rever os amigos ou participar de alguma festa especial ou outros acontecimentos, sinto como se voltasse à minha “vila natal, ao meu clã”, ao meu heung ha, como dizem os chineses.

Os paroquianos ficaram surpresos de me ver chegar assim de repente, sem avisar, pois não queria que fizessem festa; porém eu lhes disse que aquele dia era especial para mim e as razões para o mesmo. Depois da missa das 10 onde estava também presente um dos nossos Bispos auxiliares o qual conferiu o sacramento da Crisma a alguns adolescentes, fui almoçar com uma das senhoras a qual foi uma das primeiras paroquianas que conheci depois da minha chegada e foi a primeira a me ensinar o cantonês. Falamos de sua família, das dificuldades que tem agora com as filhas que começam a crescer, tornando-se adolescentes etc. Enquanto estava na paróquia, uma outra senhora muito amiga veio e me deu um abraço apertado (coisa que os chineses fazem raramente). Ela sussurrou no meu ouvido que havia apenas descoberto um tumor no seio e que seria operada dois dias depois. Prometi que a acompanharia com as minhas orações e que a visitaria depois que fosse operada. O marido tinha os olhos cheios de lágrimas... Uma outra senhora veio e me confidenciou que recentemente havia encontrado o seu marido num lugar distante na China continental. Parece que ele não tem outra família, mas não quer voltar para HK até que não tenha sucesso nos negócios e, assim a família sofre...separada. Como num encontro familiar, também eu compartilhei as minhas experiências, dizendo a eles como tenho vivido, o que tenho feito, etc.

Na parte da tarde, peguei um ônibus com um grupo de recém-batizados de Tai Po e nos dirigimos para a Igreja de São Francisco, Shek Kip Mei, onde o Cardeal Wu se encontraria com todos os recém-batizados de HK e para a celebração eucarística e lhes conferiria o mandato missionário de proclamar o Evangelho a todos que ainda não O conhecem. A igreja que é enorme, estava repleta! A alegria de todos estes novos batizados era imensa. Eu também me senti muito feliz em ver quantos novos cristãos começaram a fazer parte desta comunidade universal, que é a Igreja. Durante a missa, cada um deles recebeu um pequeno crucifixo, como lembrança de sua missão de anunciar o Evangelho a todos os povos, começando por seus próprios irmãos e irmãs chineses. Para mim, esta celebração foi também um momento particular deste dia especial que tive. Pude experimentar intensamente a ação de nosso “padrinho” , o Divino, não só na minha vida, mas também na vida da Igreja em todos os cantos do mundo!

Durante este dia especial, não faltaram também as orações e os parabéns das irmãs de minha comunidade e de nossa Delegação. Senti que devia agradecer a Deus pela Congregação das Missionárias da Imaculada que, em 1979 aceitou a minha entrada e “arriscou” na minha vocação religiosa-missionária. Também no apoio que recebi das irmãs, apesar de nossas limitações mútuas, posso perceber a ação do Espírito Santo. Também sinto que devo agradecer a Deus pelo continuo apoio que recebi de cada um de vocês durante todos estes anos.

Percebo também a ação do Espírito que continua a nos guiar na missão hoje: Nesta primeira metade do ano, estive na China três vezes: em janeiro, março e abril. Além de ir ao centro de Wai Ling para prestar serviço aos deficientes físicos e mentais, tenho ido também a um outro centro pequeno, com apenas 7 residentes. Eles são todos espásticos e com mínima deficiência mental. Em março e abril estive na vila natal de uma senhora católica de HK a qual fica também em Guangzhou. Todos os seus parentes moram lá e ela também tem casa nesta vila. Conheci toda a sua família os quais são muito acolhedores apesar de serem budistas bem tradicionais. Ela me ofereceu a sua casa para que eu coloque todos os meus apetrechos e roupas. Assim, não preciso mais transportar muito peso quando vou e volto de Guangzhou. Por incrível que pareça, o pessoal deste vilarejo nunca tinha visto pessoalmente um estrangeiro ainda mais de descendência negra. Fiz tanto sucesso que já estou convidada a ir ao vilarejo vizinho, onde eles também tem parentes. Nestes contatos amigáveis o pessoal local faz muitas perguntas e, de uma maneira informal mas sempre com certa prudência, estas também se tornam oportunidades preciosas para a evangelização. Se Deus quiser, irei novamente em Guangzhou em Julho próximo!

E agora vamos ao acontecimento do momento: a Copa do Mundo! Infelizmente aqui em HK, os direitos de transmissão da maioria dos jogos foi comprado por um canal de TV satélite privado. Assim, a maioria das pessoas, como eu, não tem como ver os jogos diretamente. Até agora ainda não vi nenhum jogo inteiro, só alguns flashes. Porém, amanhã, irei assistir o jogo entre o Brasil e a China na casa de uma família chinesa amiga. Qualquer que seja o resultado, já fui convidada para o jantar!

É claro que desta vez torcerei para o Brasil. Porém quando a China joga com outros times eu torço pela China, é claro! Os chineses por um lado sabem que o time chinês tem muito a aprender, por outro lado, eles são muito patrióticos e acostumados a vencer nos esportes, por isso, muitos choraram quando a China perdeu para a Costa Rica. Acho que sera difícil para o Brasil ser penta campião; mas, vou torcendo. Prometi aos meus colegas de trabalho que se o Brasil ganhar a Copa vou trabalhar no dia seguinte vestida com uma camiseta do time. Há alguns anos atrás ganhei uma camisa da seleção quando o time de voleibol feminino do Brasil veio jogar em Macau. Quem já teve experiência de sair da própria terra entende estas coisas que a gente faz quando está longe…

Termino agradecendo a todos vocês pela lembrança constante e especialmente aos que me escreveram por ocasião do meu aniversário. Agradeço de coração pela lembrança expressa através de mensagens, cartões e  orações.

Fico por aqui me preparando para o encontro destas duas nações que dividem o meu coração. Peço que continuem a rezar por mim, pela Ir. Regina e por todos os missionários do mundo inteiro. Até o próximo ano, se Deus quiser.

Um abraço a todos,

Ir. Marinei