A Trama Da Vida é Bendita

 Acredito que em sua casa, como na minha casa, a gente tenha alguma lembrança feita por ela, a ¨Benedicta¨ de Deus em nossas vidas.

 Há anos que ela, no silêncio e capacidade de adaptar-se à vida, ao novo tempo, e às limitações que os anos lhe impuseram, permaneceu em nosso meio dando testemunho de alegria e vontade de viver. 

Sua vida foi marcada pela garra, pela simplicidade, embora sua beleza de coração e seus lindos olhos azuis exigissem um pouco de vaidade, santa vaidade, mas que custava tão pouco! Bastava um pouco de tinta nos cabelos, um par de brincos, um colarzinho no pescoço, e pronto... Lá estava ela, pronta para as tantas festas e passeios que desfrutou. Com sua malinha sempre pronta, esperando por uma carona para passear, ela não desembarcava no destino esperado sem antes desembarcar nos nossos olhos que a admiravam e, então, nossas bocas revelavam:  “tá  chique hein, Ditinha!!!” Isso com certeza lhe agradava muito, era como o sorriso das pessoas amigas, a visita dos filhos e filhas e o beijo dos netos e netas, que são tantos!

 Ela partiu! Mas deixou sua malinha no portão. Dentro dela deixou as mais lindas lembranças, o seu tesouro.

 Agora vão permanecer nas nossas lembranças aquele rostinho sereno, aquelas mãos sofridas e mágicas, capazes de fazer um lindo tapete de crochê ou um simples bolinho de chuva.

 Vão permanecer nas nossas lembranças aqueles passinhos lentos, titubeantes às vezes, mas confiantes.

 Vão permanecer nas nossas lembranças aqueles olhinhos miúdos, quase fechados para o mundo, mas infinitamente abertos para cada um de nós.

 Vão permanecer nas nossas lembranças as suas palavras e dentre elas uma que era muito especial em seu vocabulário: “jóia”, uma palavra tão moderna e ao mesmo tempo tão eterna. Jóia era a palavra usada aprovar o que gostava.

 Ela se tornou para nós a grande jóia oferecida por Deus, lapidada por seu amor e cultivada no nosso amor. Jóia de vida era a nossa Benedicta.

 Viveu até o fim de sua vida querendo simplesmente viver

 Agora, ela vai velar por todos nós.Por cada um de nós, como fazia ao tecer seus tapetes e toalhas, pois em cada trama meditava sobre a vida e, com certeza, sobre a nossa vida. Ela sonhava terminar os seus trabalhos enquanto sonhava os nossos sonhos.

 Já em seus últimos dias ela queria terminar mais um crochê iniciado por suas próprias mãos, que espero ter em breve comigo.Adoeceu, sofreu, recuperou-se, e quando ela pensava que voltaria tudo ao normal para voltar para casa e retomar o seu crochê, a vida lhe disse não! Agora é hora de descansar.

 E assim, a vida nos colocou diante de mais uma surpresa, inesperada, incompreendida,mas com o tempo, mesmo que sofrendo, ela se tornará suportável. Vamos suportar a dor de sua ausência sabendo que ela lutou até o fim para viver, que rezou comigo dizendo apenas “amém” e que disse ao final: “amo a todos”. Ela acolheu os seus últimos instantes de vida com alegria e esperança. Recebeu muitas visitas como gostava e como queria, o quarto, feito casa, estava cheio.

 Ela que ficava tão inquieta quando faltava linha, agora deixou um trabalho inacabado. Mais uma surpresa da vida, desta vez uma linda surpresa e lição: tudo o que pôde fazer foi feito, mas nem tudo foi feito, agora depende de nós. Nós precisamos acabar o que foi começado. A trama da vida continua... Não faltava linha, nem agulha... Não faltava vontade e sabedoria... Faltou apenas o último ponto, o ponto final.

 A trama da vida continua... A vida é um sorriso eterno.

 Obrigado mãe querida, pela linda lição de vida, na vida e na morte.

Para sempre seremos seus!

 Paulo Gil